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Cultura

Parada LGBT+ encara tabu político na volta à Paulista após falar de Aids

Neste domingo (19), 26ª edição do evento tem mote eleitoral, mas mantém discussões sobre HIV, tema do ano passado

Manifestante da Marcha do Orgulho Trans, um dos eventos que antecedem a Parada LGBT, na sexta (17) A Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo volta à avenida Paulista neste domingo (19), após dois anos de eventos remotos na pandemia, com o tema "Vote com Orgulho - Por uma Política que Representa".

Os assuntos escolhidos como mote oficial do evento, que chega a sua 26ª edição, orientam as demandas da comunidade LGBTQIA+ e ajudam a guiar políticas públicas. Mas escolher um tópico que unifique um grupo tão diversificado não é simples.

No ano passado, por exemplo, a temática foi "HIV e Aids: Ame +, Cuide +, Viva +". Desde 1997, ano inaugural da Parada, a epidemia nunca tinha sido escolhida para representar a marcha, apesar da demanda de entidades da sociedade civil e de movimentos sociais relacionados à causa.

No Brasil, são cerca de 920 mil pessoas que vivem com HIV, de acordo com o Ministério da Saúde.

Em um país no qual 64% das pessoas com HIV já sofreram algum tipo de discriminação, de acordo com o Unaids (programa das Nações Unidas para a área), e no qual o presidente Jair Bolsonaro (PL) é alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por associar a Aids à vacina contra Covid-19, dar destaque ao assunto é uma forma de ajudar a diminuir o preconceito associado ao vírus, que persiste desde a década de 1980, inclusive dentro da própria comunidade.

Mas leitura inicial de pessoas que atuam no meio é que havia uma tentativa da Parada de se descolar da associação direta com HIV/Aids.

"Se você escreve HIV e LGBT na mesma frase alguém vai reclamar", aponta o infectologista Rico Vasconcelos, que coordena o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O problema, destaca o médico, é o uso de linguagem que reforça estereótipos que aumentam o estigma e culpabilizam certos grupos, dificultando a articulação de respostas e piorando a vida dos infectados.

De acordo com Renato Viterbo, vice-presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, ONG que organiza o evento, o tema da saúde da população sempre foi presente. "Em 2021, por causa do marco de 40 anos da epidemia de Aids, consideramos importante falar do tema de forma mais clara, mas não por resistência, mesmo porque a Parada tem a função de visibilizar temas importantes para a comunidade", explica.

Para Claudia Velasquez, diretora e representante do Unaids no Brasil, a abordagem do tema pela Parada ajudou a ressaltar informações importantes como o termo I = I, que significa "indetectável = intransmissível". "É quando a pessoa que vive com HIV está em tratamento, em acompanhamento médico regular e pode chegar à carga viral indetectável. Isso significa que ela não transmite o HIV por relações sexuais desprotegidas e pode levar uma vida normal e produtiva. É o tipo de informação importante para combater o estigma e a discriminação", explica.

Ela afirma que o HIV e a Aids têm perdido espaço no debate público e, nesse contexto, "toda oportunidade de falar sobre o assunto é bem-vinda, porque permite compartilhar conhecimento, desfazer alguns mitos e informações equivocadas, e estimular as pessoas a se informarem".

"Precisamos de ações e políticas para além das biomédicas para garantir que todas as pessoas sejam respeitadas por serem quem são e que tenham acesso à saúde", diz a diretora.

Para Viterbo, o fato de o evento de 2021 ter sido online foi uma oportunidade de esse e outros temas chegarem aos jovens que têm acesso às redes sociais. "O alcance pode ter sido até maior que o da Parada física", diz.

Até 2014, os temas eram escolhidos pela diretoria da Associação da Parada do Orgulho LGBT. Em 2015, a entidade realizou o primeiro fórum "Que Parada Nós Queremos", com ativistas e representantes de diversos movimentos sociais, que foram convidados para ajudar a definir as próximas pautas.

Por meio de encontros mensais, os participantes escolhem dez temas, que vão sendo enxugados até se chegar ao principal.

Nos últimos anos, o uso do nome social por pessoas trans, o casamento homoafetivo e a criminalização da LGBTfobia foram reivindicações da Parada que se tornaram conquistas da comunidade.

Em 2022, as ações voltadas para o tema do HIV e da Aids se mantiveram. Na quinta (16), na Feira da Diversidade, um dos principais aquecimentos para a Parada, a Unesco e Unaids estiveram presentes com atividades sobre prevenção.

Além disso, neste domingo, em parceria com a Aids HealthCare Foundation e a UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), dois trios elétricos levarão informações sobre HIV e outras infecções sexuais para a marcha.

Sobre o tema deste ano, uma referência às eleições de outubro, a presidente da organização da Parada, Claudia Regina dos Santos Garcia, afirmou em entrevista à Folha não haverá nenhuma manifestação partidária da organização durante o evento.

"Não vou puxar nem 'Lula Lá' nem 'Fora Bolsonaro'", diz. "Somos um movimento suprapartidário. Mas defenderemos um voto que seja representativo dos nossos direitos, um voto progressista, tanto no Executivo como no parlamento."

A Parada começa às 10h, na avenida Paulista. A marcha se inicia às 12h e faz seu percurso até a praça Roosevelt, na região central de São Paulo, passando pela avenida Consolação. As cantoras Pabllo Vittar, Luísa Sonza, Liniker e Ludmilla são algumas das atrações deste ano.

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Nathan Fernandes | Folha de S.Paulo