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Opinião

Gaby Amarantos em seu cantar, nos traz a luta da periferia contra a violência

Por Carlos Boução*

“Tem pessoas que preferem dizer que moram na Batista Campos, porque é um bairro mais de elite, e eu digo: o Jurunas pra mim é uma grande festa, o Jurunas é a minha alegria, o Jurunas é a minha grande festa...” (Suely Russo, moradora na Caripunas).

Égua, a Gaby Amarantos desde pequena sempre foi uma pessoa animada, espalhafatosa para alguns e esplendorosa para outros principalmente seus fãs. Quando jovem elegeu o altar como palco para desfilar seu talento com suas roupas coloridas ao estilo africano. Esse jeito lhe causou inclusive sua expulsão. “...‘a gente acha que você é muito animada para cantar aqui e talvez você tenha que procurar outro lugar para cantar' e eu fui expulsa da Igreja por conta dessa animação toda", relembrou Gaby em entrevista ao jornal O Dia.

Agora o escárnio que alguns setores querem carimbar no currículo da cantora paraense é inexplicável, esdrúxulo, racista, preconceituoso e até xenófobo, por causa de uma fala onde ela chamou atenção do Brasil para a violência no Pará, no Jurunas, bairro periférico da capital do Estado, onde ela foi criada.

Ela mesmo concordou que poderia ter feito a afirmação de uma outra forma. “Eu não usei bem as palavras, eu podia ter dito que a violência era comum, era frequente”. A cantora paraense em destaque na Globo afirmou ao Jornal Extra o seguinte.

“Que eu via corpos estendidos no chão quando eu ia para escola quando criança e essa fala gerou uma polêmica”, pontuou, no entanto, reconheceu em um vídeo divulgado pelo OLIBERAL.COM

“Mas eu quero dizer pra vocês que a violência era real, e que o meu medo era diário”, confirmando a imagem infantil que lhe acompanha até hoje, que ela via a violência onde passava. Parece que isso incomodou alguns setores preconceituosos e no vídeo divulgado Gaby pede as pessoas que a ameaçam “menos ódio”.

Ao final, apesar da repercussão ela diz que tem muito orgulho de representar a periferia, que ela chama de sua. “Apoio todas as pessoas que já viveram essa violência, assim como eu, e agradeço as pessoas que entenderam o que eu falei. E para as pessoas que estão me ameaçando, quero dizer que a gente precisa de mais amor, menos ódio e de união, porque o nosso Pará merece”, discursou.

Em uma tese de Carmem Izabel Rodrigues apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco, em 2006, como requisito parcial para obtenção do título de doutoramento em Antropologia, sob orientação da Prof.ª Drª Josefa Salete Barbosa Cavalcanti, sob o título “Vem do Bairro do Jurunas”, sociabilidade e construção de identidades entre ribeirinhos em Belém-Pa.

O Jurunas, visibilizado agora para todo o Brasil pela cantora e agora jurada do The Voice, é caracterizado desta forma. Onde imagens e representações de festas e de violência se confundem, se contrapõem de forma intrínseca em uma mesma realidade cultural. Talvez explicando o motivo da população preferir ressaltar apenas o lado bom do Jurunas....!

“O bairro tem sua origem toponímica em um grupo indígena de língua yudjá, que tem uma história antiga de migração e deslocamento pela região do baixo Amazonas. Sua população é constituída em grande parte, como já vimos, de migrantes de origem ribeirinha, que foram se localizando principalmente nas áreas mais próximas ao rio Guamá, no sentido centro-leste, em direção aos bairros da Condor, Guamá e Terra Firme, mas também circulando nas diversas ruas do bairro, seguindo as redes de parentesco e/ou de acordo com as condições econômicas.

Diversas associações existentes no bairro, antigas ou mais recentes, reforçam padrões de sociabilidade próprios, como agremiações carnavalescas, associações esportivas e de lazer, irmandades católicas e associações comunitárias, muitas delas articulando-se em redes mais amplas que alcançam outros bairros. Como já mencionamos, jurunenses são católicos em sua grande maioria e muitos frequentam semanalmente as igrejas do bairro, mas o número de evangélicos cresce continuamente e hoje existem cerca de trinta igrejas evangélicas (Ferreira, 2001).

Muitos frequentam, também, casas espíritas e terreiros, tendas e searas de Mina-Nagô, Umbanda e Jurema. A presença de relações muito antigas entre as festas – religiosas ou profanas– e a política local, negociadas através das redes pessoais ou grupais, muitas delas mediadas pelos meios de comunicação, permitiu construir, junto com o processo de ocupação do bairro, imagens poderosamente eficazes de um bairro festeiro, de gente alegre e otimista, que em diversos momentos chegam a suplantar as imagens da violência, também constantes nos jornais locais, até que estas retornam ao imaginário da cidade através de novas manchetes, de modo que as diversas representações produzidas sobre o bairro circulam frequentemente entre as imagens da festa e da violência”.

Na imagem expressada na fala da Gaby Amarantos tem apenas aspectos de materialidade e vivencia, de uma cena não ficcional transformada em narrativa factual sobre a realidade por ela vivida e com ela carregada em seu imaginário. Os corpos por ela registrado, enfileirados para uns, superdimensionados para outros para criticá-la, foi a maneira dela dizer que vivia sobre e dentro da violência. Quem não a entendeu nega o obvio, idealiza a realidade e vira de costas para a violência manifesta em esquinas e até nas falas das pessoas.

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* Jornalista com especialização em Patrimônio Histórico e Cultural na instituição de ensino pela Universidade Federal do Pará