IBOVESPA 107.398,97 −6.278,28 (5,52%)

Opinião

Todos são culpados pela crise, menos Bolsonaro; Mourão usa mesma narrativa de Fujimori

O vice-presidente Hamilton Mourão escreveu um artigo de opinião intitulado "Limites e Responsabilidades" no qual argumenta que "nenhum país vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil". É um texto muito relevante para entender a narrativa promovida pelo governo.

De acordo com Mourão, há "um estrago institucional que já vinha ocorrendo, mas agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos."

O vice-presidente aponta para 4 problemas: 1. Polarização extrema. 2. Comportamento irresponsável do Congresso, do Judiciário e dos governadores 3. "a usurpação das prerrogativas do Poder Executivo." 4. o prejuízo à imagem do Brasil no exterior decorrente das manifestações de personalidades de governos anteriores.

Segundo Mourão, o principal culpado pela polarização é a mídia. "A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos."

Diretamente culpando os governadores pela situação, cita um texto segundo o qual “muitos Estados da Federação, ou não compreenderam bem o seu papel neste regime político, ou, então, têm procedido sem bastante boa fé”, algo que estaria custando caro ao País.

Conclusão feita pelo VP: "Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas."

A única pessoa ausente da lista dos culpados é o próprio presidente Bolsonaro. É isso mesmo: Bolsonaro é, acima de tudo, vítima da mídia, parlamento, prefeitos, governadores e ex-formuladores de políticas que falam mal do Brasil no exterior.

Independentemente do que Mourão tenha em mente, o texto ajuda a criar a narrativa que presidentes com ambições autoritárias usam desde a invenção da democracia: É necessária uma concentração de poder para manter a ordem.

Pode ser uma completa coincidência, mas o texto é semelhante ao que Alberto Fujimori disse em um anúncio surpresa aos peruanos em abril de 1992: o país estava caminhando para o caos. O Congresso e o Judiciário eram os culpados. Fujimori precisava assumir o controle.

Na época, Fujimori analisou a situação do país e reclamou da “velha política”, da atitude obstrucionista do Legislativo controlado pela oposição e do Judiciário ― grupos que, ele alertava, se uniam para impedir a transformação do país e o êxito de sua gestão.

Reclamou do “parlamentarismo anti-nacional” contaminado pelos “vícios do caciquismo e clientelismo”. A justiça politizada e corrupta, segundo ele, era responsável pela “inexplicável liberação” de narcotraficantes, que desestabilizaram o país.

"O comportamento irresponsável e negativo dos parlamentares não respeita os mandatos constitucionais, pois eles são conscientemente violados". [Eles carecem] do "menor respeito pelas faculdades presidenciais consignadas em nossa Constituição".

Fujimori, então, anunciou calmamente que era necessário assumir uma “atitude excepcional” para promover a reconstrução nacional, que envolvia a suspensão do Congresso e da Constituição, a “reorganização total” do Judiciário, do Ministério Público e da Controladoria Geral.

Tanques cercaram o Parlamento, e numerosos jornalistas e deputados foram presos ou sequestrados, entre eles os presidentes da Câmara e do Senado. Seu discurso completo está disponível aqui.

Segue um resumo de como Fujimori conseguiu alcançar seus objetivos:

O que o golpe de Fujimori em 1992 ensina ao Brasil de 2020