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Opinião

Bolsonaro usa protestos como estratégia de mobilização constante de seus seguidores

Os protestos no Brasil contra medidas de distanciamento social não são uma coincidência. Pelo contrário, são produtos de uma estratégia sofisticada que revela uma semelhança entre todos os líderes populacionais: uma necessidade de mobilização constante dos apoiadores.

Bolsonaro está apenas aplicando uma estratégia adotada por outros populistas com tendências autocráticas, como Chávez e Orbán. Protestos pró-regime não ocorrem em democracias saudáveis. Eles são produto de um líder pedindo a seus seguidores que ataquem um inimigo escolhido.

No caso da Venezuela, Chávez pedia a seus apoiadores que protestassem contra os Estados Unidos. Na Hungria, Orbán pediu que se mobilizassem contra imigrantes. No Brasil, Bolsonaro induz os seguidores a protestarem contra as medidas de distanciamento social.

A única maneira de manter os seguidores mobilizados é induzindo o medo. Pessoas NUNCA saem às ruas porque admiram um líder. Alemães que gostam de Ângela Merkel nunca saem às ruas para apoiá-la. Portanto, o trabalho de Bolsonaro é imaginar e sugerir ameaças para despertar temores.

Isso requer muita criatividade. Também envolve transformar qualquer tema em guerras ideológicas. Literalmente, tudo, até mesmo o carnaval. Não importa como: basta criar divisão e medo. Até agora, Bolsonaro teve sucesso.

Existe uma maneira relativamente simples de responder à pandemia. 1. Ouvir os especialistas 2. Negociar com os governadores. O problema é que isso não mobilizaria os seus seguidores. Como consequência, é melhor transformar a pandemia em uma guerra ideológica contra o comunismo.

Ao compreender Bolsonaro por meio dessa lente, sua estratégia parece guiada por uma lógica e disciplina clara. Qualquer problema que surgir no Brasil, Bolsonaro analisará e perguntará: Como posso transformar isso em algo realmente assustador para meus seguidores?

É por isso que a oposição falha em antecipar os próximos passos de Bolsonaro - ele não se baseia na análise política, mas sim em um processo criativo próprio. Exemplo: a ideia de que o bloqueio pandêmico é um plano secreto para impor o comunismo. Isso é excepcionalmente criativo.

De fato, conseguir aproveitar a pandemia - uma crise q tende a unir as pessoas - para aprofundar a polarização exige habilidades raras. Às vezes, os movimentos de Bolsonaro me lembram do que aprendi nas aulas de escrita criativa no ensino médio: para a imaginação, não há limites.

Tudo para poder se projetar, no final das contas, como o salvador da pátria que protege a população das muitas ameaças, imaginárias ou reais, e justificar medidas excepcionais -- leia-se antidemocráticas -- para supostamente defender o país.

*Professor de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. Autor do 'Mundo pós-ocidental'. Globonews, colunista do EL PAÍS & Americas Quarterly